Coordenação X Subordinação
Entender o processo de coordenação e subordinação e explicar o funcionamento das orações subordinadas adjetivas explicativas fica muito mais lógico pela ótica da sintaxe
Por Prof. Leo Ricino
Sempre pergunto a meus alunos qual é a diferença entre
orações coordenadas e subordinadas. Invariavelmente, a resposta é que as
primeiras são independentes, e, as segundas, dependentes.
Ora, quando se começa a operar a sintaxe, que é a movimentação
das palavras do eixo paradigmático para o sintagmático com a finalidade
de gerar sentido, semântica, todas as palavras estabelecem, entre seus
pares sintagmáticos, uma indissociável subordinação. Ou seja, na
sintaxe, a relação entre as palavras quando contraem funções é de
subordinação. Assim, se digo “A menina vendia doces na praia”,
todas as palavras dessa oração estão em relação de absoluta
subordinação, quer sintática, quer semântica. E fonética, se a frase for
falada.
É fácil confirmar essa asserção: quando empregamos o artigo A, ele necessariamente precisará do substantivo a que se refere (menina)
e ao qual é subordinado e ambos formam um sintagma nominal, contraindo a
função de sujeito, sintagma que exige, pois, a presença do predicado (“vendia doces na praia”). Ao usarmos o verbo “vender” como núcleo do predicado, ele exige aqui o seu complemento, o objeto direto, no caso “doces”. Como o fato principal (“vender doces”)
é de sentido amplo (por exemplo, onde?, quando?), é muito conveniente,
para completar a informação, que venha acompanhado de um fato
secundário, a circunstância. No caso de nossa oração, veio a
circunstância de lugar, representada pelo adjunto adverbial “na praia”, o qual, dentro de si, já traz subordinação do artigo ao substantivo, além da subordinação do próprio adjunto ao verbo “vender”.
Como se percebe, subordinação absoluta dentro da sintaxe.
O “AMOR” ENTRE AS PALAVRAS
A relação subordinante-subordinado é indispensável na sintaxe, nas contrações de funções pelas palavras, quer no período simples, quer no composto. Sem essa contração, essa simbiótica relação vocabular, a sintaxe não cumpriria seu objetivo: gerar sentido. Gladstone Chaves de Melo acha estranho que haja atração (e, no caso, subordinação) entre elementos virtuais, quando analisa e rebate, em sua ótima Gramática Fundamental da Língua Portuguesa, Ed. Livraria Acadêmica, Rio de Janeiro, 2. ed, 1970, p. 373, com certo inconformismo, o problema da atração de certas palavras a pronomes oblíquos:
“Ora, uma palavra não pode atrair outra, porque, uma vez pronunciada, deixa de existir, ao passo que a outra, a supostamente atraída, ainda não existe. Isto, sem considerar que palavra é acidente de acidente, momentâneo resultado da passagem do ar pelos órgãos articuladores em determinada momentânea posição.”
O grande mestre levou em consideração apenas a atração oral, mas o fato é que, apesar da estranheza dele por essa atração “virtual”, há mesmo, no campo da fala, atrações entre o que existe e o que ainda vai existir, e vice-versa. Digamos que seja algo que ocorre lá no pensamento — abstrato, portanto — e jorra para o real, para o concreto, para o sonoro. Mas é preciso levar em conta também a atração gráfica. É só percebermos o verdadeiro papel de potente ímã que as palavras de sentido relativo exercem sobre as palavras que lhe serão complementos. Ou a atração que o substantivo exerce sobre artigos, adjetivos, pronomes etc. Há, entre as palavras, uma relação de amor infinito. Ou seja, uma palavra não tem vida nem utilidade sem as demais palavras.
Mesmo uma simples palavra afixada sobre, digamos, um frasco esclarecendo o seu conteúdo, “ácido”, por exemplo, só sobreviverá se, ao lermos, fizermos toda a cadeia de decodificação para entendermos: “aqui tem ácido e isso representa perigo, é preciso cuidado” etc. E essa decodificação é feita, como se viu, por muitas outras palavras. Amor, a atração das atrações, por ser inquestionável, é mesmo a palavra que define a relação entre as palavras.
A DIFERENÇA ENTRE SUBORDINADAS E COORDENADAS
Visto isso, qual a diferença entre orações subordinadas e coordenadas? A diferença básica é que as orações subordinadas são (exercem) funções sintáticas dentro da oração principal, e as coordenadas não exercem funções sintáticas.
AS FUNÇÕES SINTÁTICAS DAS ORAÇÕES SUBORDINADAS
De acordo com a NGB (Nomenclatura Gramatical Brasileira), as orações substantivas exercem, dentro da oração principal, as seguintes funções sintáticas: sujeito, objeto direto, objeto indireto, complemento nominal, predicativo e aposto; enquanto as orações subordinadas adverbiais funcionam como adjunto adverbial dentro da oração principal; e as orações subordinadas adjetivas exercem a função sintática de adjunto adnominal. |
Coordenação X Subordinação
Entender o processo de coordenação e subordinação e explicar o funcionamento das orações subordinadas adjetivas explicativas fica muito mais lógico pela ótica da sintaxe
Por Prof. Leo Ricino
Já em “Tenho medo de que ele sucumba”, temos duas orações, a primeira, chamada principal, é “Tenho medo”, cujo sujeito é “eu”, oculto, o verbo é transitivo direto e tem como objeto direto a palavra “medo”. Esse substantivo “medo” é palavra de sentido relativo e solicita um complemento nominal, que é a oração “de que ele sucumba”. Portanto, essa oração é subordinada por exercer a função de complemento nominal do termo “medo” dentro da oração anterior, que lhe é principal porque um dos seus termos a tem como complemento nominal. A omissão da preposição, possível por se tratar de oração, não muda sua função sintática. Ou seja, em “Tenho medo que ele sucumba”, a oração “que ele sucumba” continua sendo complemento nominal do substantivo “medo”, que, por sua vez, é o núcleo do objeto direto do verbo “tenho”.
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ADJETIVOS E ORAÇÕES ADJETIVAS RESTRITIVAS E EXPLICATIVAS
Antes da reforma gramatical imposta pela Nomenclatura Gramatical Brasileira, em 1959, os adjetivos também eram classificados em restritivos e explicativos. É fácil notar a dife rença, por exemplo, do adjetivo FRIO quando se relaciona a gelo ou a mão, e do adjetivo ESCURO quando se refere a noite ou a pele. Necessariamente todo gelo é frio e toda noite é escura, mas nem toda mão é fria nem toda pele é escura.
No primeiro caso (gelo frio e noite escura), os adjetivos são meros epítetos, meros qualificadores e não elementos distintivos de substantivos de mesma espécie. Eram classificados como adjetivos explicativos. Já no segundo caso (mão fria e pele escura), os adjetivos não só qualificam como também distinguem os respectivos substantivos, uma vez que nem toda mão é fria, nem toda pele é escura. Eram classificados como adjetivos restritivos.
Essa classificação desapareceu para os adjetivos, mas foi mantida para as orações subordinadas adjetivas, que funcionam como adjunto adnominal, geralmente do termo que antecede o pronome relativo. Quando trabalhamos com orações subordinadas adjetivas restritivas, essa constatação da função delas como adjunto adnominal não é problemática. Mais difícil é achar e aceitar a função de adjunto adnominal de uma explicativa.
Em “O gol que a Holanda marcou desmontou a seleção brasileira”, não fica nenhuma dúvida de que a oração em destaque é adjunto adnominal do substantivo “gol” da oração anterior, qualificando e distinguindo o gol holandês de outro gol qualquer. Há nessa oração a grande força distintiva do adjetivo nesse
papel. A oração “que a Holanda marcou” pode até ser substituída pelo adjetivo holandês, “O gol holandês”, como fiz logo acima.
Porém, em “O gol, que é a alegria e a tristeza no futebol, embeleza ainda mais o espetáculo”, a oração destacada é adjetiva explicativa e atua apenas como um epíteto, um mero qualificador, isto é, não distingue esse gol de outro gol. Sua função sintática é tão de adjunto adnominal como a do adjetivo frio na frase “O gelo frio eriçava ainda mais os pelos de sua perna”. Só que no caso do período em estudo, a oração se separa do substantivo a que se refere pelas vírgulas, por dois basilares motivos. Primeiro, por ser oração explicativa e, apesar de exercer função sintática, é meramente intercalada, ou seja, algo que se coloca no meio de outra oração para algum esclarecimento, alguma qualificação; segundo, pela necessária ênfase que esse esclarecimento traz na sua essência, responsável pela informação implícita.
E não pode ser retirada do texto, como alguns professores ensinavam antigamente, porque sua omissão desvirtuaria a informação implícita que há nas orações adjetivas. Explicitamente, isto é, na superfície do texto, informa-se que o gol embeleza o espetáculo e que é a alegria ou a tristeza no futebol. Implicitamente a oração adjetiva nesse texto mostra que qualquer gol provoca alegria ou tristeza, não há distinção. Na oração anterior, explicitamente informa-se que a seleção brasileira sofreu um gol e que esse gol a desarticulou. Implicitamente a oração adjetiva distingue o gol holandês de outro gol qualquer, não foi outro gol que desmantelou nossa seleção, mas o holandês. Em outras palavras, as orações adjetivas também dizem nas entrelinhas, no não dito. São, pois, indispensáveis.
AS ADJETIVAS EXPLICATIVAS E A CAUSA
Os usuários que tenham, no mínimo, razoável competência linguística percebem que boa parte das adjetivas explicativas apresenta um leve sabor de causa em relação ao que ocorre na oração principal. Não, não, não são orações adverbiais causais. Apenas nos fazem sentir essa breve sensação de causa, sem ser a causa. Vejamos alguns exemplos:
“O gol, que é a alegria e a tristeza no futebol, embeleza ainda mais o espetáculo.” (O gol, porque é a alegria e a tristeza no futebol, embeleza ainda mais o espetáculo). Com a adjetiva, apenas esclarecemos o papel embelezador do gol e apenas sugerimos a causa; com o segundo exemplo, “porque é a alegria e a tristeza no futebol”, nossa intenção é realmente mostrar a causa do embelezamento do espetáculo pelo gol. Essa mesma explicação vale para os exemplos abaixo.
“Deus, que é nosso pai, perdoa nossos pecados.” (Deus, por ser nosso pai,...).
“As emissoras de São Paulo, que deram a falsa notícia, serão punidas.” (As emissoras de São Paulo, porque deram a falsa notícia,...)
Aliás, na oração que demos acima com adjetivo explicativo, “O gelo frio eriçava ainda mais os pelos de sua perna”, também se pode sentir esse saborzinho de causa no adjetivo frio: “O gelo, por ser frio, eriçava ainda mais os pelos de sua perna”. Se colocássemos esse adjetivo entre vírgulas, o saborzinho passaria já a sabor. Só que agora o adjetivo pode ser percebido de duas maneiras: 1) com a mesma função de mero adjunto adnominal do substantivo qualificado, ou 2) como a parte visível de uma ora- ção adverbial causal: “O gelo, frio, eriçava ainda mais os pelos de sua perna”, ou seja, “O gelo, por ser frio, eriçava ainda mais os pelos de sua perna”.
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Como se pode ver, há um insubstituível papel da morfologia e da sintaxe. A morfologia é a matéria-prima manipulada pela sintaxe para, ao combinar as palavras, fazê-las contrair funções e gerar o terceiro elemento do tripé: a semântica . Agora, como essa semântica é demonstrada como resultado dessa contração é questão de estilo individual, é papel da estilística.
AS ADJETIVAS E O APOSTO
Não por acaso o adjunto adnominal e o aposto são funções acessórias na sintaxe. Que fique claro aqui que acessório em linguagem não é como um acessório num carro. Em linguagem, o acessório é tão importante e tão indispensável quanto o essencial e o integrante. Por exemplo, nos nomes de ruas, cidades ou outros elementos geográficos, temos um núcleo e um aposto, mas não podemos separar um do outro. Assim, em Avenida São João, o “São João” é aposto de avenida e não pode, de forma alguma, ser separado por vírgula ou suprimido.
Sabemos que um substantivo é modificado pelos seus adjetivos (artigo, adjetivo, numeral e pronome), que funcionam como adjuntos adnominais na mesma função sintática em que esse substantivo é o núcleo.
Porém, às vezes, essa força adjetiva é exercida por outro substantivo, ou seja, na mesma função sintática há um núcleo substantivo e outro substantivo acrescentando uma ideia acessória qualquer a esse núcleo. A esse papel de um substantivo atuando como adjetivo e exercendo a função sintática de adjunto adnominal, por causa da hierarquia (substantivo é sempre igual a outro substantivo em termos hierárquicos) é que se dá o nome de APOSTO, ou seja, colocado um ao lado do outro. Em outras palavras, o aposto é a função adjunto adnominal exercida por substantivo.
Em outras palavras, as orações adjetivas também dizem nas entrelinhas, no não dito. São, pois, indispensáveis.
CAUSA: NEM TODAS SÃO IGUAIS...
É bom esclarecer que há adjetivas explicativas que não apresentam esse saborzinho de causa. Em “O jovem, que esteve aqui hoje cedo, é o novo médico da família.”, frase só possível se o referido jovem for o assunto da conversa entre o locutor e o interlocutor, a adjetiva explicativa destacada não passa o mesmo sabor de causa dos exemplos anteriores, uma vez que o jovem não é o novo médico por ter estado lá (aqui) hoje cedo. E, como as anteriores, não pode ser dispensada porque sua informação implícita mostra um jovem conhecido do locutor e do interlocutor, portanto, não distintiva. Essa mesma oração sem as vírgulas (“O jovem que esteve aqui cedo é o novo médico da família.”) passa a ser restritiva porque acrescenta a informação implícita distintiva, isto é, distingue esse jovem de outro e necessariamente representa um contexto diferente da oração anterior, entre vírgulas. |
Coordenação X Subordinação
Entender o processo de coordenação e subordinação e explicar o funcionamento das orações subordinadas adjetivas explicativas fica muito mais lógico pela ótica da sintaxe
Por Prof. Leo Ricino
E é por isso também que o aposto pode ser, como as orações
adjetivas, restritivo ou explicativo. Se dizemos, em 2010, “O presidente
do Brasil, Lula, viajou bastantes vezes ao exterior”, o substantivo
Lula, exercendo o papel de adjunto adnominal, recebe o nome de aposto,
exatamente por ser substantivo modificando substantivo, e é explicativo
porque não distingue esse presidente de outro presidente. Em 2010, o
presidente do Brasil era mesmo o Lula.
Porém, em qualquer momento, se dizemos “O ex-presidente do Brasil
Fernando Henrique Cardoso também viajou bastantes vezes ao exterior”, o
substantivo Fernando Henrique Cardoso, exercendo o mesmo papel de
adjunto adnominal e também pelos mesmos motivos acima, é chamado de
aposto, só que agora restritivo, porque distingue esse ex-presidente dos
demais ex-presidentes. E é por isso que Lula, aposto meramente
explicativo, está e deve vir entre vírgulas, e Fernando Henrique
Cardoso, aposto distintivo, não está e não pode ser colocado entre
vírgulas. Se o colocássemos entre vírgulas, mudaríamos a informação
implícita e diríamos a nosso ouvinte/leitor que, desde 1889, só há um
ex-presidente, o que é absolutamente falso.
Resta aqui enfatizar que num texto podemos captar informações
explícitas e implícitas, ou seja, lemos as linhas e as entrelinhas. Na
superfície do texto, ou seja, nas linhas, captamos as informações
explícitas; no profundo do texto, ou seja, nas entrelinhas, no não-dito,
captamos as informações implícitas. E as orações adjetivas atuam
fortemente nas duas linhas, razão por que é preciso realmente tomar
cuidado com a pontuação, para que não se desvirtuem as informações
implícitas.
CONFUSÃO ENTRE ORAÇÃO ADJETIVA E ORAÇÃO APOSITIVA
Esclarecido isso, e para encerrar, podemos tratar agora de uma confusão plausível entre oração subordinada adjetiva e oração subordinada substantiva apositiva. Essa confusão é possível porque o aposto, como vimos, é de fato um adjunto adnominal, só que exercido por substantivos ou equivalentes.
Vejamos como são semelhantes os fatos expressos nos dois períodos abaixo:
A ideia que ele nos deu acrescerá muito a nosso objetivo de lazer.
A ideia dele, que viajássemos a Portugal, acrescerá muito a nosso objetivo de lazer.
A primeira, equivalente ao adjetivo particípio DADA (“A ideia dada acrescerá muito a nosso objetivo de lazer”) é adjetiva restritiva e funciona como adjunto adnominal do substantivo “ideia” da oração principal. A segunda, equivalente à expressão substantiva “uma viagem a Portugal”, é substantiva apositiva, pois equivale a um substantivo (viagem) esclarecendo outro substantivo (ideia). No primeiro caso, podemos substituir o “que” por “a qual”; na segunda, o que ocorre por parte do ouvinte/leitor é uma pergunta sobre algo que precisa ser esclarecido. A pergunta é: “que ideia?”. A resposta é um aposto: “A ideia dele, uma viagem a Portugal, acrescerá muito a nosso objetivo de lazer”. Mas, como ela é expressa por uma oração, temos oração subordinada substantiva apositiva. E isso também já desmonta aquela asserção de que as orações apositivas vêm somente depois de dois pontos.
Como se vê, nossa língua apresenta tantos caminhos e soluções que jamais poderá ter a exatidão matemática ou física. As linhas, entrelinhas e meandros de um texto provocam discursos sempre à espera de que lhes captem as minúcias. Um usuário competente sabe manejá-la e atingir seus objetivos.
*Professor Leo Ricino é mestre em Comunicação e Letras, instrutor na Universidade Corporativa Ernst & Young, professor na Fecap e ministra cursos no Sinpro – Sindicato dos Professores de São Paulo.
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